A história que tem início hoje, mas que não se sabe ao certo quando e se terá fim, tem a mera intenção de me descontrair. Se por acaso tiver, como efeito colateral, o entretenimento de outrem, será mera casualidade.
PACHECO
Pois bem, ele chegou assim, após selecionado em uma entrevista, dentre alguns candidatos interessados. E foi escolhido pela sua aparente simpatia e jeito de companheiro. Pois nesse lugar era isso que importava.
Nos primeiros dias há sempre a adaptação. Uma gracinha aqui, um comentário ali, mas era importante demonstrar interesse nas tarefas a ele atribuídas. Ela, Fonseca, com aquela vontade de enturmar o outro e se auto-afirmar, foi adaptando seu novo colega temperando sua chegada com trotes e brincadeiras.
Houve risos, reclamações, discussões e, enfim, um vínculo de amizade se formou. Aquele lá que era aparentemente introspectivo, uniu-se aos fanfarrões. A moça bela com jeito de menina e um tanto desajeitada e que, às vezes, fazia que trabalhava, achegou-se. Estabelecida estava aquela trupe.
Cafezinhos, um processo aqui e outro acolá, uns dias de penúria e outros nem tanto. Conversas, umas agradáveis e outras nem um pouco. A vida foi sendo levada naquele ambiente burocrático e cheio de vida. Desentendimentos e segredos revelados, causos mal contados. Pacheco se adaptou bem à nova repartição e foi muito bem recebido por aqueles que lá "jaziam".
Pacheco tem um senso de humor único. Espirituoso como poucos, arrancava de todos muitas gargalhadas. "Que cara massa", diziam seus colegas.
Ocorre que Pacheco, como outros muitos comediantes e bem humorados, também tinha seus lundus. Entristecia-se às vezes e não havia cristão que conseguisse tirá-lo daquela áurea macambúzia. Seja por uma discussão em casa com sua esposa ou por problemas financeiros, ou mesmo por algum motivo que nem ele mesmo sabia, Pacheco se aninhava em sua baia, colocava seu fone de ouvido e ia trabalhar. Sim, era estranho quando alguém ia à repartição só para trabalhar.
Descobriu-se após alguns meses que Pacheco fazia uso de anti-depressivos. Sim, o mesmo Pacheco que fazia todos rirem. Talvez, de tão engraçado que era e com tanta criatividade para elaborar boas piadas, ninguém conseguia fazê-lo rir e sentir-se regojizado. Não com sinceridade. Pacheco só ria de si mesmo. E quando cansava, precisava de ansiolíticos para aguentar o tranco da vida.
Prosélito da camaradagem, não havia não em seu vocabulário quando o assunto era ajudar algum de seus colegas. Aliás, Pacheco era um homem fácil de angariar colegas, mas difícil de ser conquistado como amigo. Ficava ali, horas a fio trabalhando em meio a murmurinhos e gargalhadas, mas não envolvia ninguém em sua vida pessoal. Sabia bem separá-las. Seu lar era seu abrigo e seu segredo. Impenetrável como a toca de uma fuinha ou como o buraco feito pelas corujas do cerrado para esconder sua cria.
Não havia ninguém dali que um dia houvera visitado a casa de Pacheco e de sua família.
Pois bem, nosso figurão, no fundo, era uma boa alma, bom companheiro e generoso. Contudo, avesso às indiscrições quando o assunto era sua vida.
Foi a esse senhor que um dia, em tarde chuvosa pós-seca do centro-oeste brasileiro, quando os ipês já começavam a mudar de cor, que lhe roubaram um livro. Mas não era um livro qualquer, daqueles que a gente empresta, esquece e não nos devolvem.
(continua...)
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